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CONTRIBUIÇÕES À DIDÁTICA DA PSICOLOGIA SOCIAL

O Enquadramento Institucional

Caracterização da escola. A escola da psicologia social define-se como uma instituição centrada na aprendizagem e fundamentada em um esquema conceitual, referencial e operativo no campo da psicologia social.

Caracterizamos o ECRO – Esquema Conceitual Referencial e Operativo – como conjunto organizado de noções e conceitos gerais, teóricos, referidos a um setor do real, a um universo do discurso, que permite uma aproximação instrumental do objeto particular concreto. Este ECRO e a didática que o veicula estão fundados no método dialético.

O método dialético, através do qual se desenvolve a espiral do conhecimento, implica um tipo de análise que – a partir dos fatos fundamentais, das relações cotidianas – desvenda os princípios opostos, as tendências contraditórias, fontes configuradoras da dinâmica dos processos.

Este método é o que permite a produção do conhecimento das leis que regem a natureza, a sociedade, o pensamento: três aspectos do real comprometido com aquilo que denominamos “homem em situação”. Com o termo “homem em situação” procuramos caracterizar um objeto de conhecimento, em uma tarefa que reintegre o fragmentado por um pensamento dissociante que obscurece as relações entre sujeito, natureza e sociedade.

Psicologia social. A Psicologia Social à qual nos referimos, inscreve-se em uma crítica da vida cotidiana. Abordamos o sujeito imerso em suas relações cotidianas. Nossa consciência destas relações perde sua trivialidade na medida em que o instrumento teórico e sua metodologia nos permitem investigar a gênese dos fatos sociais. Coincidimos com a linha aberta por H. Lefèvre, para quem as ciências sociais encontram sua realidade “na profundidade sem mistérios da vida cotidiana”. A psicologia social que postulamos tem como objeto de estudo o desenvolvimento e transformação de uma relação dialética, que se dá entre estrutura social e configuração do mundo interno do sujeito, relação esta que é abordada através da noção de vínculo.

Para nós, o ser humano é um ser de necessidades, que só se satisfazem socialmente em relações que o determinam. O sujeito não é só um sujeito relacionado, é um sujeito produzido em uma práxis. Nele não há nada que não seja a resultante da interação entre indivíduo, grupos e classes. Se essa relação é o objeto da psicologia social, seu campo operacional privilegiado é o grupo, que permite a investigação do interjogo entre o psicossocial (grupo interno) e o sócio dinâmico (grupo externo), através da observação das formas de interação, dos mecanismos de adjudicação e assunção de papéis. A análise das formas de interação permite-nos estabelecer hipóteses sobre seus processos determinantes.

A psicologia social como disciplina que investiga a interação em seus dois aspectos – intersubjetivo (grupo externo) e intra-subjetivo (grupo interno) – é significativa, direcional e operativa. Orienta-se para uma práxis, de onde surge seu caráter instrumental. Seu ponto de partida é uma prática. A experiência dessa prática, conceitualizada por uma crítica e uma autocrítica, realimenta e corrige a teoria por meio de mecanismos de retificação e ratificação, obtendo uma crescente objetividade. Configura-se uma marcha em espiral sintetizadora, para elaborar uma logística e construir uma estratégia, que através da tática e da técnica dê caráter operativo a planificações de tipos diversos para que se possa realizar a mudança aspirada – que consiste no pleno desenvolvimento da existência humana através da mútua modificação do homem e da natureza. Por que nossa valoração da práxis? Porque só ela introduz a inteligibilidade dialética nas relações sociais e restabelece a coincidência entre representações e realidade.

Nosso ECRO é um instrumento interdisciplinar, ou seja, articula contribuições de diferentes disciplinas, na medida em que sejam pertinentes ao esclarecimento do objeto de estudo. Estas contribuições são provenientes do materialismo dialético, do materialismo histórico, da psicanálise, da semiologia e das contribuições daqueles que trabalham em uma interpretação totalizadora das relações entre estrutura socioeconômica e vida psíquica. A partir dessas contribuições pode-se construir uma psicologia que situe o problema em suas premissas adequadas. A didática. A didática que postulamos emerge do próprio campo da psicologia social. Assinalamos com isto que reformularemos uma metodologia para operar no campo da aprendizagem a partir das contribuições trazidas pela psicologia social à compreensão do processo de aprendizagem.

Denominamos didática uma estratégia destinada não só a comunicar conhecimentos (tarefa informativa), mas, basicamente, a desenvolver e modificar atitudes (tarefa formativa). A articulação do informativo e o formativo se realiza na construção de um instrumento: ECRO, que situe o sujeito no campo (o referencial), permita-lhe abordá-lo a partir de elementos conceituais, compreendê-lo e operar sobre ele por meio das técnicas adequadas. Esta “situação” no campo e o pensar e operar sobre ele implica a necessidade não só de manejo teórico, mas também da elaboração das ansiedades emergentes em toda situação de mudança. Nisto consiste o trabalho do psicólogo social, objeto de nossa formação. Nossa didática pode ser caracterizada como de núcleo básico, interdisciplinar e grupal, instrumental e operacional. Esclareçamos o significado destes termos. Núcleo básico. De acordo com a hipótese dos investigadores no campo da educação de adultos, a transmissão de conceitos universais, fundamentos de cada disciplina específica, permite acelerar o processo de aprendizagem, ao mesmo tempo em que torna possível maior profundidade e operatividade no conhecimento. O núcleo básico está constituído por esses conceitos universais, e a aprendizagem vai do geral para o particular.

Interdisciplinar e grupal. O interdisciplinar está aqui considerado em dois níveis; um deles já foi mencionado e estaria dado pelas contribuições que, a partir de diferentes disciplinas, se integram no ECRO, na medida em que são pertinentes ao esclarecimento do objeto de estudo.

O outro sentido do interdisciplinar estaria relacionado com o sentido da busca da maior heterogeneidade possível – em termos de identidade, atividade, formação, sexo – na composição dos grupos, que deverão reelaborar a informação. A heterogeneidade permite que cada membro do grupo aborde a informação recebida em comum, trazendo um enfoque e um conhecimento vinculado às suas experiências, estudos e tarefas. Num primeiro momento do itinerário do grupo, dá-se uma fragmentação do objeto de conhecimento, em função das diferentes modalidades de impacto e de receptividade frente ao mesmo. Esta heterogeneidade de enfoques e contribuições deve conjugar-se, alterando-se funcionalmente, complementando-se, até chegar a uma integração ou construção enriquecidas do objeto de estudo.

A heterogeneidade dirige-se, basicamente, para a ruptura dos estereótipos na modalidade de aproximação do objeto de conhecimento, estereótipos que, por carência de confrontação, podem potencializar-se nos grupos homogêneos. Sobre esta fundamentação formulamos a regra: “quanto maior a heterogeneidade dos membros, heterogeneidade adquirida através da diferenciação de papéis a partir dos quais cada membro traz ao grupo sua bagagem de experiências e conhecimentos, e quanto maior a homogeneidade na tarefa, obtida pelo somatório da informação (pertinência), maior a produtividade adquirida pelo grupo (aprendizagem)”.

Em síntese, a possibilidade de uma didática interdisciplinar Apoia-se na preexistência, em cada um de nós, de um esquema referencial. Estes esquemas e modelos internos se confrontam e se modificam na situação grupal, configurando-se, através da tarefa, um novo esquema referencial que emerge da produção do grupo.

Instrumental e operacional. Como estratégia de formação em psicologia social, tomamos como ponto de partida a localização do sujeito, sua inserção em um campo específico (a situação grupal). Isto lhe permite viver uma experiência de campo, ao mesmo tempo em que lhe fornece, progressivamente ferramentas teóricas para compreender sua própria inserção, as características do campo e os recursos técnicos para operar sobre ele.

Esta inserção no campo grupal e a instrumentação técnica devem ser paulatinamente estendidas a outros campos da operação da psicologia social (institucional ou comunitária).

A noção de aprendizagem está sustentada em uma didática que a caracteriza como a apropriação instrumental da realidade, para modificá-la. A noção de aprendizagem se vincula intimamente com o critério de adaptação ativa à realidade, através do qual se explicita a ideologia.

Entendemos por adaptação ativa, aprendizagem do real, a relação dialética mutuamente modificante e enriquecedora entre sujeito e meio.

Aprender é realizar uma leitura da realidade, leitura coerente, e não aceitação acrítica de normas e valores. Ao contrário, buscamos uma leitura que implique capacidade de avaliação e criatividade (transformação do real). Esta concepção de aprendizagem como práxis, como relação dialética, leva-nos necessariamente a postular que o ensinar e o aprender constituem uma unidade, que devem acontecer como processo unitário, como experiência contínua e dialética de aprendizagem, na qual o papel do docente e o papel do aluno são funcionais e complementares. Nosso instrumento de trabalho – O Grupo Operativo. Pressupostos teóricos

Adotamos como instrumento primordial de trabalho, de tarefa e investigação, a técnica operativa do grupo, partindo da hipótese de que o grupo é uma estrutura básica de interação, o que a converte de fato em unidade básica de trabalho e investigação.

Definimos o grupo como o conjunto restrito de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe, de forma explícita ou implícita, uma tarefa que constitui sua finalidade.

Os conjuntos sociais se organizam em unidades para alcançar maior segurança e produtividade. Em muitos casos, a unidade grupal tem a característica de uma situação espontânea. Mas os elementos desse campo grupal podem ser, por sua vez, organizados. Queremos dizer, com isto, que a interação pode ser regulada para potencializá-la, para fazê-la eficaz e vista de seu objetivo. A isto denominamos planificação. Assim nasce a técnica operativa que visa instrumentar a ação grupal.

A técnica operativa. Esta técnica se caracteriza por estar centrada na tarefa: ou seja, privilegia a tarefa grupal, o caminho para a obtenção de seus objetivos.

Toda situação de aprendizagem – estendendo-se a noção de situação de aprendizagem a todo processo de interação, a todo tipo de manipulação ou apropriação do real, a toda tentativa de resposta coerente e significativa às demandas da realidade (adaptação) – gera nos sujeitos dois medos básicos, duas ansiedades básicas que caracterizamos como medo da perda e medo do ataque: a) medo da perda do equilíbrio já obtido na situação anterior, e b) medo do ataque na nova situação, na qual o sujeito não se sente adequadamente instrumentado. Os dois medos, que coexistem e cooperam, configuram – quando aumenta seu montante – a ansiedade frente à mudança, geradora da resistência à mudança. Tal resistência à mudança se expressa em termos de dificuldades na comunicação e na aprendizagem. O desenvolvimento do grupo se vê obstaculizado pela presença do estereótipo no pensamento e na ação grupal. A rigidez e o estereótipo constituem o ponto principal de ataque.

Centra-se aí a tarefa que se realiza por meio da abordagem e resolução dos medos básicos, num trabalho compartilhado de esclarecimento grupal. Este esclarecimento implica a análise, no “aqui e agora” da situação grupal, dos fenômenos de interação, dos processos de depositação e assunção de papéis, das formas da comunicação, em relação com as fantasias que geram essas formas de interação, os vínculos entre os integrantes, os modelos internos que orientam a ação (grupo interno) e os objetivos e tarefa prescrita do grupo.

Um passo importante neste processo de esclarecimento, de aprender a pensar, é um trabalho voltado para a redução do índice de ambigüidade grupal, pela resolução dialética das contradições internas do grupo, que tomam a forma de dilema, paralisando a tarefa através da confrontação entre indivíduos ou subgrupos. A situação dilemática esteriliza o trabalho grupal e opera como defesa frente à situação de mudança.

A análise sistemática das contradições (análise dialética) constitui a tarefa central do grupo. Esta análise visa, basicamente, investigar a intra-estrutura inconsciente das ideologias postas em jogo na interação grupal. Estas ideologias – sistemas de representações com grande carga emocional – podem não formar um núcleo coerente nem em cada sujeito, nem em cada unidade grupal. A coexistência interna, no grupo e no sujeito, de ideologias – sistemas de representações com grande carga emocional – podem não formar um núcleo coerente nem em cada sujeito, nem em cada unidade grupal. A coexistência interna, no grupo e no sujeito, de ideologias de sinais contrários determina diferentes montantes de ambigüidade, o que se manifesta como contradição e estancamento da produção grupal (estereotípica). A técnica operativa visa a que o grupo constitua um ECRO de caráter dialético, onde as contradições relativas ao campo de trabalho devem referir-se ao próprio campo da tarefa grupal (práxis).

Itinerário do grupo e relações cotidianas. Quando a técnica operativa é aplicada a um grupo centrado na aprendizagem – neste caso particular na aprendizagem da psicologia social – parte da análise das situações cotidianas para alcançar um conhecimento objetivo, em momentos sucessivos de compreensão.

O grupo operativo é a primeira instância de ancoragem do cotidiano. As relações cotidianas, os vínculos que põem em jogo modelos internos tendem a reproduzir-se nele. O enquadramento ou a técnica operativa de grupo (conjunto de constantes metodológicas que permitem a compreensão de um processo), através da confrontação desses modelos internos em uma nova situação de interação, e na análise de suas condições de produção, facilitam a compreensão das pautas sociais internalizadas que geram e organizam as formas observáveis de interação.

Assim, o acontecer do grupo centra a investigação do aprendiz de psicologia social no fenômeno universal da interação, de onde surge o reconhecimento de si e do outro, em um diálogo e em um intercâmbio permanente que segue uma trajetória em espiral.

A informação – a ferramenta teórica – deve ser abordada a partir do cotidiano para fazê-lo compreensível, para dar valor de uso a essa ferramenta teórica em uma práxis.

Daí nossa insistência na importância de partir da análise das chamadas fontes cotidianas “vulgares” do esquema referencial.

As técnicas operativas do grupo sejam quais forem os objetivos propostos no grupo (diagnóstico institucional, aprendizagem, criação artística, planificação, etc.), tem como finalidade que seus integrantes aprendam a pensar em uma coparticipação do objeto de conhecimento, entendendo-se que pensamento e conhecimento não são fatos individuais, mas produções sociais. O conjunto de integrantes, como totalidade, aborda as dificuldades que se apresentam em cada momento da tarefa obtendo situações de esclarecimento, mobilizando estruturas estereotipadas que operam como obstáculo para a comunicação e a aprendizagem, e que são geradas como técnica de controle da ansiedade frente à mudança.

A tarefa de coordenador. O coordenador mantém com o grupo uma relação assimétrica, requerida por seu papel específico: o de co-pensor. Sua tarefa consiste em refletir com o grupo sobre a relação que os integrantes do mesmo estabelecem entre si e com a tarefa prescrita. Conta com duas ferramentas: a assinalação – que opera sobre o explícito – e a interpretação – que é uma hipótese sobre o acontecer implícito que tende a explicitar fatos ou processos grupais que não aparecem como manifestos aos integrantes do grupo e que funcionam como obstáculo para a obtenção do objetivo grupal.

A equipe de coordenação, integrada pelo coordenador e pelo observador, cada um em seu papel específico, e a partir de um ECRO, que lhe permite a compreensão das leis estruturantes do processo grupal detecta as situações significativas (emergentes) que a partir do explícito remetem, como sinal, a formas implícitas de integração. Na técnica do grupo operativo a interpretação é incluída como ferramenta, na medida em que permite a explicitação do implícito.

Que sentido tem esta explicitação? A dialética grupal consiste em uma relação entre processos implícitos e acontecer explícito, entre o manifesto e o latente. A interpretação se inclui nesta dialética trazendo manifesto e o latente. A interação se inclui nesta dialética trazendo ao campo a informação que permite o autoconhecimento grupal, o que gera novas formas de interação. A interpretação operativa modifica o campo grupal, permite, a partir do autoconhecimento, a reestruturação das relações entre os membros e com a tarefa. Opera no campo do obstáculo a fim de mostrá-lo, para obter uma reorganização grupal que permita elaborá-lo. O obstáculo pode estar presente no processo de apreensão do objeto, na rede de comunicação, etc. A interpretação inclui, explícita ou implicitamente, um critério de realidade ou esquema referencial, a partir do qual se analisa a situação do grupo.

O valor da interpretação é dado pela operatividade, ou seja, por sua função reestruturante com vistas ao objetivo do grupo. A interpretação consiste na decodificação do sentido do emergente. É uma entrega de significados ao grupo.

O esquema de avaliação. A constatação sistemática de certos processos grupais nos permitiu construir um modelo que recolhe as diferentes formas de interação grupal. Este modelo, denominado esquema do cone invertido, constitui nosso instrumento de avaliação da tarefa grupal.

Os vetores dessa categorização incluem: os processos de afiliação, pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem, telé, atitude frente à mudança e capacidade de planificação.

A atitude frente à mudança é a situação central a ser avaliada e para ela convergem os diferentes vetores de análise; modifica-se em termos de incremento ou resolução dos medos básicos, geradores de estereótipo. Para quem está voltada a escola de psicologia social. A escola está aberta a todos aqueles que, sejam quais forem seus estudos e formação prévia, se interessem em realizar uma aprendizagem centrada na compreensão dos fenômenos de interação e na análise do processo social, particularmente naquilo que faz a relação entre a estrutura social e a vida psíquica.

Campo de ação da psicologia social. A Psicologia Social, como disciplina e ferramenta técnica, instrumento para a abordagem, investigação, diagnóstico, planificação e operação nos diferentes âmbitos nos quais se realizam processos de interação. Estes âmbitos, caracterizados como âmbito grupal, institucional e comunitário, podem ser abordados a partir de um esquema conceitual comum, mas apresentam variáveis específicas que requerem manejo técnico diferenciado. Do livro O Processo Grupal Col. Psicologia e Pedagogia, Ed. Martins Fontes – SP – Brasil

16 de abril de 2021 ENRIQUE PICHON-RIVIÈRE EM COLABORAÇÃO COM ANA QUIROGA

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