Texto do Módulo do Aprofundando a Psicologia Social. Compilação realizada pelo Cieg para seu uso exclusivo.
Retomamos hoje a análise do conceito de ECRO, que define o Esquema Conceitual Referencial e Operativo, com o qual se opera no campo da Psicologia Social.
Como havíamos dito, a letra “E” significa um esquema, entendido como um conjunto articulado de conhecimentos. Entendemos por esquema conceitual um sistema de idéias que alcançam uma vasta generalização. São sínteses mais ou menos gerais, de proposições, que estabelecem as condições segundo as quais os fenômenos empíricos se relacionam entre si. É um conjunto de conhecimentos que proporciona linhas de trabalho e investigação. A investigação psicológica ou qualquer tipo de tarefa científica, sem um adequado sistema conceitual, seria cega e infrutífera. O descobrimento se faz possível pela adequação do esquema conceitual do investigador às características do fenômeno a indagar. Logo, tratar-se-ia de uma adequação das hipóteses à realidade. Em síntese, um esquema conceitual é um conjunto organizado de conceitos universais que permite uma aproximação adequada do objeto particular. Facilita-se, assim, o enfrentamento da situação concreta a ser indagada ou resolvida. Por isso, diz Kurt Lewin: “Não há nada mais prático do que uma boa teoria”.
É importante assinalar que tanto pelo manejo de esquemas conceituais, exclusivo de algumas ciências, pode se chegar a determinadas descobertas verificáveis depois pela experiência; também pela observação direta podem ser descobertos fatos não manifestados nos esquemas conceituais. Isso impõe uma retificação do esquema conceitual: como o exemplo anterior, implica a sua ratificação, quer dizer, é necessária sempre uma verificação da realidade.
A ciência, e dentro dela a Psicologia Social, é um conjunto de observações ordenadas, por um esquema conceitual suscetível de retificação ou ratificação. Isto é o que faz a ciência dinâmica.
Podemos dizer que o ECRO é um modelo. Um modelo científico, definido como uma simplificação ou aproximação dos fatos naturais estudados, que por sua construção lógica, enriquece a compreensão de tais fatos, quer dizer que o modelo é um instrumento que, por analogia, nos permite compreender certas realidades, quer dizer, o modelo é um instrumento de apreensão da realidade. Tomando um exemplo dado por Levi Strauss em Antropologia estrutural, as relações sociais são a matéria prima com a qual se constrói um modelo destinado a levar a manifestação de aspectos ocultos dessa realidade observadora, enriquecendo a perspectiva.
O ECRO construído como Esquema Conceitual e Referencial, resulta ser um modelo em relação ao seu caráter de instrumento de apreensão da realidade. O ECRO é, então, instrumento de apreensão do setor da realidade que nos propomos a estudar, de interação, por exemplo. Como modelo, o ECRO permite a compreensão de cada fato particular, a partir de uma organização ou articulação de conceitos universais. O aspecto referencial diz respeito ao campo, ao segmento da realidade no qual se pensa e se opera, e aos conhecimentos relacionados com esse campo ou fato concreto ao qual vamos nos referir na operação.
Um elemento fundamental de nosso ECRO é o CRITÉRIO DE OPERATIVIDADE. Em nosso esquema conceitual, a operatividade representa o que, em outros esquemas, significa o critério tradicional de verdade (adequação do pensado ou enunciado com o objeto).
O que quer dizer isto? Se com nosso ECRO enfrentamos uma situação social concreta, não nos interessa só que a interpretação seja exata, mas fundamentalmente nos interessa a adequação em termos de operação, quer dizer, a possibilidade de promover uma modificação criativa ou adaptativa, segundo o critério de adaptação ativa à realidade. Por isso colocamos, ao iniciar esses cursos, que a Psicologia Social é direcional e significativa no sentido de que está orientada para a mudança.
Este critério de operatividade é o que se inclui em nosso esquema conceitual orientando-o à operação, daí a última letra da sigla ECRO (a letra O). Entre os elementos fundamentais incluídos no ECRO, assinalamos o conceito de realimentação permanente entre teoria e prática. Nele, segundo um processo dialético, cada “a posteriori” de uma situação dada, se converte no “a priori” de uma nova situação segundo o modelo de tese, antítese e síntese.
Na medida em que se estuda um processo dialético – a relação do homem com o meio – o ECRO, instrumento de aproximação, incluirá uma metodologia dialética. A Psicologia Social que postulamos tem por isso um caráter instrumental e não se resolve em um círculo fechado, mas em uma contínua realimentação da teoria através de sua confrontação com a prática. A experiência da prática conceitualizada por uma crítica e uma autocrítica, realimenta e corrige a teoria, mediante mecanismos de ratificação e retificação.
Nosso ECRO, em seus aspectos relacionados à origem e à estruturação da personalidade, está construído pelas contribuições de Freud, M. Klein, G.M. Mead, etc.
Quanto à compreensão dos processos sociais, particularmente os grupais, nos referimos às descobertas de Kurt Lewin, cujo método é duplamente experimental:
É um esforço para fazer prática da experimentação sociológica.
Tende a uma forma de experimentação: a investigação ativa.
Como dissemos, em nosso ECRO, o critério de operação, de produção planejada da mudança em relação com o alcance dos objetivos propostos, constitui nosso critério de avaliação. Toda investigação já coincide com uma operação. No terreno das ciências sociais não existe investigação que não promova uma modificação, quer dizer, só o fato de aplicar, por exemplo, um teste ao sujeito, apesar do teste não ter uma finalidade terapêutica, produz, no entanto, uma modificação no sujeito. Poderíamos dizer que a relação estabelecida é modificadora. Isso foi postulado, em primeiro plano por Freud e reforçado por Kurt Lewin.
Outro conceito básico incluído em nosso ECRO é o de GRUPO INTERNO, o que nos permite definir a Psicologia como Psicologia Social. Isto foi visto por Freud (“Psicologia das Massas e Análise do Eu”) ainda que não continuasse desenvolvendo essa linha de pensamento. Entendemos o grupo interno como um conjunto de relações internalizadas, quer dizer, que passaram de fora para o mundo interno e se encontram em permanente interação. São relações sociais internalizadas que reproduzem, no âmbito do eu, relações ecológicas.
A Psicologia Social consiste na indagação das formas de interação. Para esta indagação construímos um esquema intitulado de cone invertido onde registramos como modalidade de interação ou observáveis, particularmente dentro do grupo operativo, os processos de Afiliação, Pertença, Cooperação, Pertinência, Comunicação, Aprendizagem e Telé; conceitos estes, que desenvolveremos de forma particular quando tratarmos de grupo operativo.Chamamos de Grupo Operativo porque aponta para uma direção determinada para compreende-la e dirigi-la, sendo o grupo nosso instrumento para o cumprimento de uma tarefa.
Outro tema que desenvolveremos extensamente em relação ao grupo operativo, é aquele em que se trata ou não de grupos terapêuticos, entendendo que toda conduta desviada surge de um transtorno da aprendizagem, de um estancamento na aprendizagem da realidade. O grupo operativo, na medida em que permite aprender a pensar, permite vencer através da cooperação e da complementaridade na tarefa, as dificuldades da aprendizagem. Significa que o grupo operativo ajuda a superar o estancamento, enriquecendo o conhecimento de si e do outro na tarefa, então se pode dizer que é terapêutico já que permite a superação dos transtornos na aprendizagem, no pensar e no contato com a realidade.
A terapia não é o objetivo principal do grupo operativo de aprendizagem, mas algumas de suas conseqüências podem ser consideradas terapêuticas, na medida em que instrumenta o sujeito para operar na realidade.
O grupo operativo como técnica, ajuda a resolver as dificuldades internas de cada sujeito, os estancamentos e o pensamento dilemático, fazendo-o dialético, através de uma tarefa na qual está incluído o esclarecimento das resistências e a aprendizagem como mudança. A resolução dialética nos instrumenta, como dissemos, para o enfrentamento dessa nova situação.
No grupo operativo nos propomos construir um ECRO comum, já que há uma unidade do ensinar e do aprender. O ECRO como instrumento único, unidade operativa, está orientado para a aprendizagem e para a tarefa. O ECRO nos permite uma compreensão horizontal (compreensão das relações sociais, a organização e o sistema social) e vertical (do indivíduo inserido neste sistema), de uma sociedade em permanente mudança e os problemas de adaptação ou de relação do indivíduo com o seu meio.
Como instrumento, permite uma planificação da abordagem do campo ou do objeto de conhecimento, o que previamente foi definido como “homem em uma situação”, em sua interação com o meio. Planificação implica: estratégia, tática, técnica e logística.
A construção de um ECRO nos obriga a definir o campo operacional, a metodologia e a fazer uma avaliação da operação. Trata-se de um trajeto dialético, cujo problema final consiste na exata localização dos elementos integrantes.
A construção de um Esquema Conceitual Referencial e Operativo nos conduz a uma atitude de autocrítica, não só do ponto de vista das retificações que se dão pela síntese de teoria e prática, mas pelo que denominamos análise sistêmica e análise semântica do ECRO, quer dizer, uma filosofia da ciência que incluirá:
a) Uma epistemologia com uma definição do que é o conhecimento e o critério de verdade (operatividade);
b) Uma metodologia, indagação dos métodos incluídos no ECRO;
c) Uma sistemologia, estudo do ECRO como sistema complexo de conceitos.
A isso denominamos análise sistêmica que pode ser intra-sistêmica e aí estudamos sua articulação e coerência interna, ou intersistêmica, quando é analisada sua relação com outros ECROS. A Análise semântica é a análise da relação signo-significado dessa linguagem.
Todo Esquema Conceitual Referencial e Operativo tem um aspecto superestrutural e outro aspecto infraestrutural. O superestrutural está dado pelos elementos conceituais e o infra-estrutural pelos elementos emocionais, motivacionais; quer dizer, aquilo que denominaríamos a verticalidade do sujeito; elementos estes surgidos de sua própria experiência de vida e que determina as modalidades de abordagem da realidade. Uma análise coerente do nosso ECRO nos obriga sempre, como operadores sociais, a buscar esclarecer tantos os aspectos superestruturais como os aspectos infra-estruturais.
Aula dada em 1970 / 1ª Escola de Psicologia Social Tradução : Maura Espinheira/junho/95. 11 de abril de 2021 ENRIQUE PICHON-RIVIÈRE
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