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ESTRUTURA DE UMA ESCOLA DESTINADA À FORMAÇÃO DE PSICÓLOGOS SOCIAIS.

Propósitos e Metodologia

Toda psicologia social, definida como ciência que estuda os vínculos interpessoais e outras formas de interação, se não supera esta simples tarefa, tornando-a direcional e significativa, tenderá a estancar-se e a perder seu sentido. A psicologia social particulariza-se fundamentalmente por ser operativa e instrumental, com as características de uma interciência, cujo campo é abordado por uma multiplicidade interdisciplinar (epistemologia convergente), da qual deriva a multiplicidade das técnicas.

Como ciência do homem no campo da práxis, não pode evitar essa exigência sem cair em uma situação formal e estereotipada.

A psicologia social é a ciência das interações voltadas para uma mudança social planificada. Se não for assim, não tem sentido, e todos os seus esforços levariam a um sentimento de impotência, como resultante das contradições quanto a seu aspecto operacional. É um artesanato, no sentido mais amplo da palavra, que tanto forma os elementos da mudança, como prepara o campo no qual se vai atuar. Daí irão surgir duas direções: uma chamada psicologia social acadêmica, que, preocupada só com as problemáticas das técnicas ou dos possíveis tipos de mudança, sente-se paralisada frente a sua responsabilidade de realizar uma síntese de teoria e prática.

A outra direção, a práxis – de onde surge o caráter instrumental e operacional em seu sentido mais real – resolve-se não em um círculo fechado, mas em uma contínua realimentação da teoria, através de sua confrontação com a prática e vice-versa (tese-antítese). A experiência da prática, conceitualizada por uma crítica e uma autocrítica, realimenta e corrige a teoria mediante mecanismos de retificação e ratificação, obtendo uma crescente objetividade. Configura-se assim uma marcha em espiral, que progressivamente irá capacitar o terreno da mente para construir uma estratégia e uma logística, que através da tática e da técnica instrumental dê caráter operativo a planificações de tipo diferente para que a obtenção da mudança aspirada – que consiste no desenvolvimento pleno da existência humana através da modificação do homem e da natureza – possa realizar-se. A psicologia social determina a circunstância histórica e social. Tal visão é alcançada através de uma epistemologia convergente, na qual todas as ciências do homem funcionam como uma unidade operacional, enriquecendo tanto o objeto do conhecimento como as técnicas destinadas a sua abordagem.

Como unidade operacional, as ciências do homem assim reunidas trazem elementos para a construção de um instrumento único ao qual chamamos ECRO – Esquema Conceitual Referencial e Operativo, orientado para a aprendizagem através da tarefa. Este conjunto estrutural e genético nos permite a compreensão horizontal (a totalidade comunitária) e vertical (o indivíduo nela inserido) de uma sociedade em permanente situação de mudança e dos problemas de adaptação do indivíduo a seu meio.

Como instrumento, é o que permite planificar um manejo das relações com a natureza e seus conteúdos, nas quais o sujeito se modifica a si mesmo e modifica o mundo, em um constante interjogo dialético.

Como escola destinada à formação de operadores no campo da saúde mental, incluímos em tal âmbito não só a análise do processo do adoecer e das tarefas corretoras, mas também de todos os trabalhos de prevenção, insistindo particularmente nos vetores de aprendizagem e comunicação, cujas perturbações são, a nosso ver, a origem de toda conduta desviada.

A didática que postulamos, fundada no conceito de Inter ciência, emerge do âmbito da psicologia vincular, e podemos caracterizá-la como interdisciplinar e grupal, acumulativa, de núcleo básico instrumental e operacional.

A didática interdisciplinar apoia-se na preexistência, em cada um de nós, de um esquema referencial (conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com os quais um indivíduo pensa e atua) que adquire unidade por meio do trabalho grupal, promovendo simultaneamente nesse grupo ou comunidade um esquema referencial e operativo, sustentado no denominador comum dos esquemas prévios.

Uma das definições clássicas da didática é a de desenvolver atitudes, modificar atitudes e comunicar conhecimentos. Estas funções são cumpridas pela didática interdisciplinar, que educa, instrui e transmite conhecimentos, mas com uma técnica que redunda numa economia do trabalho de aprendizagem, visto que, ao ser acumulativa, a progressão do desenvolvimento é geométrica.

Ao falar da abordagem interdisciplinar de uma situação social, entendemos que esta metodologia compreende o estudo em detalhe, em profundidade e no âmbito total, de todas as partes de um problema. Dá-se aí a síntese dialética entre texto e contexto. De tal definição surge a necessidade de trabalhar em grupos formados por integrantes de diversas especialidades concernentes ao problema investigado. Cumpre-se, assim, uma das leis básicas da técnica de grupos operativos (‘quanto maior a heterogeneidade dos membros e maior a homogeneidade na tarefa, maior a produtividade”. Chamamos nossas didáticas de núcleo básico por inspirar-se nas conclusões das investigações no campo da educação dos adultos, que sustentam que a transmissão dos conceitos universais que regem cada disciplina específica possibilita uma maior velocidade, profundidade e operatividade do conhecimento. O núcleo básico está constituído por esses universais, e a aprendizagem vai do geral ao particular.

É instrumental e operacional, porque o Esquema Conceitual, Referencial e Operativo – ECRO – assim constituído é aplicável em qualquer setor de tarefa e de investigação.

De acordo com esta didática, a aprendizagem se estrutura como um processo contínuo, com oscilações, articulando-se os momentos do ensinar e do aprender, que acontecem no aluno e no docente, como um todo estrutural e dinâmico.

Adotamos o grupo operativo como instrumento primordial de tarefa e de investigação, fundamentando-nos no fato de que as ciências sociais nos últimos anos centraram seu interesse nos pequenos grupos ou grupos face a face, os quais, por seu caráter de unidade básica de interação e sustentação da estrutura social, convertem-se também em unidade básica de trabalho e investigação.

Assim, o acontecer do grupo centra a investigação do psicólogo social no fenômeno universal da interação, de onde surge o reconhecimento de si e do outro, em um diálogo e intercâmbio permanente, que segue uma trajetória em espiral.

Os agrupamentos sociais organizam-se em unidades como objetivo de adquirir maior segurança e produtividade, surgindo em seu seio a possibilidade de estudar a rede de comunicações, ou seja, os vínculos inter-humanos que ornam a possível convivência e a tarefa em comum.

A estrutura e função de um grupo qualquer, seja qual for seu campo de ação, estão dadas pelo interjogo de mecanismos de assunção e adjudicação de papéis. Estes representam modelos de condutas correspondentes à posição dos indivíduos nessa rede de interações, e estão ligados às próprias expectativas e às dos demais membros do grupo. O papel e seu nível, o status, ligam-se aos direitos, deveres e ideologias que contribuem para a coesão desta unidade grupal.

Todo conjunto de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, se propõe explícita e implicitamente uma tarefa, que constitui sua finalidade. Podemos, então, dizer que estrutura, função, coesão e finalidade, junto com um número determinado de integrantes, configuram a situação grupal que tem seu modelo natural no grupo familiar.

A técnica de grupos por nós criada, chamada de grupos operativos, caracteriza-se por estar centrada, de forma explícita, em uma tarefa que pode ser a aprendizagem, a cura (nesse sentido abrange os grupos terapêuticos), o diagnóstico das dificuldades de uma organização profissional, a criação publicitária, etc. Sob esta tarefa subjaz outra, implícita, que aponta para a ruptura, através do esclarecimento das pautas estereotipadas que dificultam a aprendizagem e a comunicação, significando um obstáculo frente a toda situação de progresso ou mudança.

Assim, a tarefa consiste na elaboração de duas ansiedades básicas: medo da perda (ansiedade depressiva) das estruturas existentes e medo do ataque (ansiedade paranoide) na nova situação, provindo esta última de novas estruturas nas quais o sujeito se sente inseguro por carência de instrumentação. Estas duas ansiedades, coexistentes e cooperantes, configuram a situação básica de resistência à mudança, que, no grupo operativo, deve ser superada num acontecer grupal, no qual se cumprem os três momentos dialéticos de tese, antítese e síntese, através de um processo de esclarecimento que vai do explícito ao implícito. A unidade de trabalho que permite a realização de tal esclarecimento é integrada pelo existente (material trazido pelo grupo através de um membro qualquer, que nesse momento cumpre a função de porta-voz), pela interpretação realizada pelo coordenador ou co-pensor do grupo, e pelo novo emergente – conduta nascida da organização de distintos elementos, acontecimento sintético e criador que aparece como resposta a essa interpretação. Toda interpretação, tanto nesse tipo de grupos como na tarefa terapêutica, tem o caráter de uma hipótese elaborada acerca da fantasia grupal. Não se dirige à exatidão, ou melhor, dizendo, não se avalia com um critério tradicional de verdade, mas sim em termos de operatividade, na medida em que permite ou favorece a ruptura do estereótipo.

O coordenador cumpre, no grupo, um papel prescrito: o de ajudar os membros a pensar, abordando o obstáculo epistemológico configurado pelas ansiedades básicas. Opera no campo das dificuldades da tarefa e da rede de comunicações. Seu instrumento é a assinalação das situações manifestas e a interpretação da causalidade subjacente. Integra-se em uma equipe com um observador, geralmente não participante, cuja função consiste em recolher todo o material, expresso verbal e pré-verbalmente no grupo, com o objetivo de realimentar o coordenador, num reajuste das técnicas de condução.

A constatação sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais, que se apresentam em cada sessão, nos permitiu construir uma escala de avaliação básica através da classificação de modelos de conduta grupal. Esta escala é nosso ponto de referência para a construção de interpretações. O primeiro vetor de tal categorizarão inclui os fenômenos de afiliação ou identificação com os processos grupais, com os quais, no entanto, o sujeito guarda uma determinada distância, sem incluir-se totalmente no grupo. Este primeiro momento de afiliação, próprio da história de todo grupo, o que permite aos membros elaborar uma estratégia, uma tática, uma técnica e uma logística. A pertença é que torna possível a planificação. A cooperação consiste na contribuição, ainda que silenciosa, para a tarefa grupal. Estabelece-se sobre a base de papéis diferenciados. Através da cooperação é que se torna manifesto o caráter interdisciplinar do grupo operativo e o interjogo daquilo que mais adiante definiremos como verticalidade e horizontalidade. Chamamos pertinência a outra categoria, que consiste no centrar-se do grupo na tarefa prescrita e no esclarecimento da mesma. Avalia-se a qualidade desta pertinência de acordo com o montante da pré-tarefa, da criatividade e da produtividade do grupo e suas aberturas para um projeto.

A comunicação que se dá entre os membros, quinta categoria de nossa escala, pode ser verbal ou pré-verbal, através dos gestos. Dentro deste vetor levamos em conta não só o conteúdo da mensagem, mas também o como e o quem dessa mensagem; chamamos a isto de metacomunicação. Quando os dois elementos entram em contradição, configura-se um mal entendido dentro do grupo.

O sexto vetor nos remete a um fenômeno básico – o da aprendizagem. É obtido pela somatória de informação dos integrantes do grupo, cumprindo-se em dado momento a lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade. Produz-se uma mudança qualitativa no grupo, que se traduz em termos de resolução de ansiedades, adaptação ativa à realidade, criatividade, projetos, etc.

Como categoria universal da situação de grupo incluímos o fator telé, definido pelo professor Moreno como disposição positiva ou negativa para trabalhar com um membro do grupo. Isto configura o clima, que pode ser traduzido como transferência positiva ou negativa do grupo com o coordenador e dos membros entre si. Assinalamos como situação central do grupo operativo a atitude ante a mudança que se modifica em termos de incremento ou resolução das ansiedades depressiva ou paranoide, de perda e de ataque, coexistentes e cooperantes em tempo e espaço. Isto implica, para o operador, que ao detectar na situação grupal um desses dois medos como o manifesto, incluirá em sua interpretação o outro como subjacente.

Nossa insistência sobre o caráter central da situação de estereótipo ou resistência à mudança está ligada, dentro do esquema conceitual, referencial e operativo, de acordo com o qual pensamos e atuamos, à postulação sustentada por mim no ano de 1945 em uma síntese de uma teoria geral das neuroses e psicoses, acerca da existência de um núcleo depressivo patogenético, que se dá em intensidades diferentes no indivíduo normal, neurótico ou psicótico. Esse núcleo depressivo está vinculado à situação de nascimento e desenvolvimento, e é responsável pela pauta estereotipada de conduta como resultante de uma situação de estancamento no processo de aprendizagem da realidade e de deterioração da comunicação, viciando a abordagem do objeto de conhecimento e da situação de tarefa.

O fundamento teórico sobre a operatividade do grupo que segue a técnica descrita está dado por nossa teoria da doença única, apoiando-se nos conceitos de situação depressiva básica, de posição esquizo-paranóide – ponto de partida da discriminação e do pensamento – da estereotipia das técnicas, do ego, da teoria do vínculo e da noção de grupo interno. Nosso esquema conceitual, referencial e operativo está constituído, principalmente em seu aspecto genético, histórico e estrutural, pelas ideias de Freud e Melanie Klein, enquanto que em seu aspecto social apoiamo-nos em K. Lewin, cujo método é duplamente experimental:

  1. a) é um esforço para tornar prática a experimentação sociológica b) tende a uma forma nova de experimentação: “A investigação ativa” (action research).

A adaptação ativa à realidade e a aprendizagem estão indissoluvelmente ligadas. O sujeito sadio, na medida em que apreende o objeto e o transforma, ou seja, que torna essa aprendizagem operativa, modifica-se também a si mesmo, entrando em um interjogo dialético com o mundo no qual a síntese que resolve uma situação dialética transforma-se no ponto inicial ou tese de uma antinomia, que deverá ser resolvida neste contínuo processo em espiral. Na medida em que se cumpre este itinerário – objetivo e do grupo -, a rede de comunicações é constantemente reajustada e só assim é possível reelaborar um pensamento capaz do diálogo e de enfrentar a mudança.

Outros fenômenos que se dão no acontecer grupal, com uma reiteração tal que nos permite considerá-los emergentes universais, são: o segredo grupal, ligado ao que também chamamos mistério familiar, perturbador da comunicação, pois este acontecimento secreto, seja qual for seu significado real, carrega-se com sentimentos e fantasias de culpabilidade.

São emergentes universais as fantasias do adoecer, de tratamento e de cura, assim como a situação triangular que dentro de nosso esquema referencial, conceitual e operativo sustenta a teoria do vínculo. Entendemos este conceito como uma situação bicorporal e tripessoal, já que como mecanismo de interação deve ser captado como uma Gestalt que inclui um terceto – que na teoria da comunicação funciona como ruído e na aprendizagem, como obstáculo epistemológico.

Os sentimentos de insegurança e incerteza ligados às ansiedades básicas, particularmente às situações de perda, constituem elementos da vida grupal. Em todo grupo emergem ideologias que determinam o surgimento de confrontos entre subgrupos. De acordo com Schilder, chamamos de ideologias os sistemas de idéias e conotações que os homens dispõem para orientar sua ação. São pensamentos mais ou menos conscientes, com grande carga emocional, que não obstante são considerados por seus portadores como resultado do raciocínio. Sua análise constitui um dos passos da tarefa grupal. Isto nos conduz à análise semântica, ou à análise de sua formulação, e à análise sistêmica que aborda a estrutura interna da ideologia e sua ambigüidade, que se manifesta em forma de contradição. É por isso que a análise sistemática das contradições – expressas através de indivíduos e subgrupos que tendem a levar a tarefa grupal a uma estéril situação dilemática, a qual funciona como defesa diante da situação de mudança – constitui uma das tarefas fundamentais do grupo operativo e de toda investigação social.

Nessa trajetória, o grupo deve configurar um Esquema Conceitual Referencial e Operativo, de caráter dialético, onde as contradições que se referem ao campo de trabalho devem ser resolvidas na própria tarefa grupal.

O ECRO é o ponto focal da aprendizagem geral, permitindo-nos integrar através do grupo as experiências que irão possibilitar a instrumentação, já que, seguindo o que foi assinalado por Freud e reformulado por K. Lewin, toda investigação coincide com uma operação. A práxis na qual teoria e prática se integram em uma força operativa – instrumento de transformação do homem e do meio – está na base do método.

O desenvolvimento de um esquema referencial, conceitual e operativo comum aos membros do grupo permite o incremento da comunicação intragrupal, já que, de acordo com a teoria da informação, o que permite que o receptor compreenda a mensagem emitida pelo transmissor, através de operações de codificação e decodificação, é uma semelhança de esquemas referenciais. Nesse processo de comunicação e aprendizagem, observamos que o grupo segue um itinerário que vai da linguagem comum à linguagem científica. Este passo é de vital importância, já que é inútil elaborar um pensamento científico se não se parte da compreensão e da análise das fontes vulgares do esquema referencial.

Mencionamos o caráter interdisciplinar dos grupos. Isto nos permite reiterar um dos princípios básicos da técnica operativa: quanto maior a heterogeneidade dos membros – heterogeneidade adquirida através da diferenciação de papéis, na qual cada membro traz para o grupo toda a bagagem de suas experiências e conhecimentos – e quanto maior a homogeneidade em relação à tarefa – homogeneidade obtida pela somatória de informações, que adquire o ritmo de uma progressão geométrica, enriquecendo, como parcialidade, cada um dos integrantes e, como totalidade, o grupo – maior a produtividade que se obtém.

Como falamos no começo deste trabalho, os mecanismos de assunção e adjudicação de papéis desempenham, no acontecer grupal, um papel fundamental. O grupo se estrutura sobre a base de um interjogo de papéis. Destes papéis, interessa-nos destacar principalmente três, dada a importância que adquirem na vida do grupo. São: o papel de porta-voz, o de bode expiatório e o de líder. Estes papéis não são estereotipados, mas sim funcionais e rotativos. Abordamos, com o conceito de porta-voz, o que pode ser considerado como um dos pilares de nossa teoria. Porta-voz de um grupo é o membro que em um momento denuncia o acontecer grupal, as fantasias que o movem, as ansiedades e necessidades da totalidade do grupo. Mas o porta-voz não fala só por si, mas por todos; nele se conjuga o que chamamos verticalidade e horizontalidade grupal, entendendo-se por verticalidade aquilo que se refere à história pessoal do sujeito, e por horizontalidade o processo atual que acontece no aqui e agora, na totalidade dos membros. O porta-voz pode desempenhar seu papel porque nele se dá uma articulação entre sua fantasia inconsciente – fantasia que segue um modelo primário – e o acontecer do grupo em que se insere. Esse encaixe permite a emergência do material que deve ser interpretado. A interpretação utilizará esses dois elementos: o vertical e o horizontal. Através do problema enunciado pelo porta-voz em sua verticalidade, deve-se exemplificar a situação de todos os membros do grupo, no aqui e no agora, e em relação com a tarefa.

As necessidades, as ansiedades as fantasias enunciadas pelo porta-voz e sua maneira de formulá-las fazem referência a sua história pessoal, enquanto que o fato de formulá-las em um dado momento do acontecer grupal assinala o caráter horizontal do emergente.

Seguindo o processo natural de assunção e depositação de papéis, um membro de um grupo se faz depositário dos aspectos negativos ou atemorizantes do mesmo ou da tarefa, num acordo tácito no qual tanto ele como os demais componentes do grupo estão comprometidos. Aparecem então os mecanismos de segregação, configurando-se outra das situações significativas: a do bode expiatório. Outro membro, por outro lado, sempre pelo mesmo processo, pode fazer-se depositário de aspectos positivos do grupo, obtendo uma liderança, que estará centrada em uma ou várias das categorias já enunciadas (pertença, cooperação, etc.). No entanto, ambos os papéis, o de líder e o de bode expiatório, estão intimamente ligados, já que o papel de bode expiatório surge como preservação da liderança, através de um processo de dissociação ou splitting, necessário ao grupo em sua tarefa de discriminação. Acrescentamos a estes três papéis o de sabotador, que é, habitualmente, a liderança da resistência à mudança.

O princípio de complementaridade deve reger o interjogo de papéis no grupo; isto permite que sejam funcionais e operativos. Quando aparece a suplementariedade, o grupo é invadido por uma situação de competição que esteriliza a tarefa.

A sessão de grupo se desenvolve em três momentos temporais: abertura, desenvolvimento e fechamento. Os emergentes de abertura devem ser cuidadosamente registrados pelo observador e pelo coordenador, já que todo esse material será re-trabalhado durante a sessão, e é possível observar como reaparece já modificado no momento do fechamento.

Em termos de trabalho grupal, podemos distinguir três instâncias: a pré-tarefa, na qual são postas em jogo as técnicas defensivas do grupo, mobilizadas pela resistência à mudança e destinadas a postergar a elaboração das ansiedades que funcionam como obstáculo epistemológico. A tarefa consiste precisamente nesta abordagem, onde o objeto de conhecimento se torna penetrável através de uma elaboração que implica a ruptura da pauta estereotipada, que funciona como estancamento da aprendizagem e deterioração da comunicação. O projeto surge quando se consegue uma pertença dos membros; concretiza-se, então, uma planificação.

O grupo se propõe objetivos que vão mais além do aqui e agora, construindo uma estratégia destinada a alcançar tal objetivo. Mas, dentro desse aqui e agora, podemos interpretar que este projeto, como todo mecanismo de criação, está destinado a superar a situação de morte ou de perda que os membros vivenciam quando, através da realização da tarefa, percebem a possibilidade da separação ou finalização do grupo.

Enunciados os universais que regem a vida do grupo operativo, assinalamos que a interpretação do coordenador deve orientar-se, geralmente, por estas situações universais, em uma formulação que sempre inclui o vertical do porta-voz e o horizontal do grupo.

Para terminar, queremos assinalar que esta técnica de grupo operativo foi por nós criada no ano de 1946, quando, estando encarregado do Serviço de Adolescentes do Hospital Neuropsiquiátrico de Hombres da cidade de Buenos Aires, fez-se necessário formar, com um grupo de pacientes, uma equipe de enfermeiros para o Serviço.

Atualmente, as técnicas operativas são utilizadas não só na formação de psicólogos, mas também na criação publicitária, no trabalho institucional, na formação de líderes, no estudo da direção e interpretação teatral. Em síntese, em todas as situações em que o grupo face-a-face possa converter-se em uma unidade operativa de tarefa

11 de abril de 2021 Pichon-Rivière, Enrique : O Processo Grupal Col. Psicologia e Pedagogia, Ed. Martins Fontes - SP

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