Numa época marcada pelo caos, pela multiplicação maciça e indiscriminada de meios de produção e pela desintegração das velhas estruturas sociais, a cibernética aparece como a mais audaz tentativa do homem no sentido de reordenar o mundo.
A explosão técnica que o aparecimento das primeiras máquinas representou, bem como sua aplicação às áreas de trabalho, fez surgir a necessidade de sincronizar esses novos mecanismos sob um sistema de direção que respondesse, direta ou indiretamente, à vontade e à inteligências humanas. A cibernética transformou-se assim num instrumento de controle sobre uma realidade anônima que havia chegado a ser ameaçadora.
A história do desenvolvimento tecnológico mostra que o homem sempre procurou simplificar sua tarefa delegando-a a artefatos, que, à medida que foram ganhando complexidade, escaparam ao seu domínio e, numa verdadeira inversão de papéis, chegaram a submetê-lo, lançando-o na alienação.
Por meio da cibernética, ou ciência dos sistemas de direção, trata-se de resolver os conflitos e ansiedades que essa aventura de “aprendiz de feiticeiro” desencadeou no homem. Essa ciência, contraditoriamente ao que se acredita, não é uma teoria das máquinas eletrônicas, mas estrutura de uma síntese operativa que permite reagrupar os objetivos que o conhecimento alcançou, mas que se mantém desconexos e dispersos. As máquinas, por sua vez, não passam de instrumentos que a cibernética criou para atingir seus objetivos.
Os modelos a partir dos quais essa ciência tenta o reordenamento da realidade são extraídos da própria natureza (por exemplo, a organização do sistema nervoso, do sistema circulatório, etc.) ou também das ciências matemáticas. Os modelos permitem experimentar e realizar previsões a respeito dos resultados de operações sobre a realidade, seja no terreno econômico, da sociologia ou de qualquer outro campo da atividade humana. A cibernética se converte, então, no imprescindível aliado de qualquer tarefa que implique um planejamento ou uma prévia elaboração de estratégia. Com a utilização dessa técnica elimina-se definitivamente a intervenção do acaso, embora, é claro, não se fique a salvo do erro que provém do desajuste de modelos.
A teoria da informação está intimamente vinculada à cibernética, já que entre suas principais operações estão as de elaborar, conservar e transmitir dados. Essas funções são realizadas por uma máquina que conta com a capacidades de assimilação, discriminação, memória e aplicação. São precisamente esses poderes que fazem aparecer a semelhança entre a mente do homem e a chamada inteligência da máquina.
A máquina não é só o sítio de uma série de processos, mas ela mesma constitui um fenômeno que age sobre a realidade e a modifica. A sociologia e a psicologia interessam-se por essa curiosa inter-relação homem-máquina. O vínculo com a máquina, particularmente com o cérebro eletrônico, vem se humanizando no nível do pensamento mágico. O homem deposita na máquina suas fantasias de onipotência e acaba se convencendo de que ela é um autônomo. Imagina, assim, que seu intento voltou-se contra ele e que, inconscientemente, desencadeou um poder tirânico do qual não pode escapar.
Sofre uma lesão em sua autoestima, pois tem a vivência de que todo o poderio que colocou na máquina o enfraqueceu e o submete. Sobrestima assim as aptidões do instrumento do qual é criador e esse enfraquecimento leva-o a esquecer, por momentos, que ele mesmo é o autor do sistema e que o manipula como o simples fato de apertar um botão.
Entregou-se de tal forma a um mecanismo que estava destinado a libertá-lo de outras servidões que crua uma nova idolatria, fundada no temor, com características de ideologia religiosa.
A revolução industrial que alcança seu apogeu com a cibernética acarreta por sua vez uma revolução social e política, já que a automação abre a possibilidade de uma nova relação entre trabalho e lazer.
Em face de uma mudança dessa natureza estruturam-se duas atitudes: por um lado, a rejeição em forma de medo, negação e reação que se justifica apontando todos os aspectos negativos desses intrusos perigosos e eficazes, acusados de manipular o mundo. Por outro, os que aceitam a mudança o fazem por estarem suficientemente instrumentados para estabelecer com a máquina um vínculo lúcido e positivo que não sobrestima seu papel nem suas possibilidades, com a consciência de que nos lançamos numa grande aventura da qual já não é possível voltar atrás. Referência PICHON-RIVIÈRE, E.; QUIROGA, A. P. de. Psicologia e cibernética In Psicologia da vida cotidiana. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 85-87. Primeira Edição 1970; Editorial Galerna. 9 de junho de 2021 ENRIQUE PICHON-RIVIÈRE E ANA QUIROGA
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